quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Morar sozinha é um eterno exercício de conviver com a falta das coisas. Falta comida na geladeira, falta Veja Multiuso, falta Perfex e falta gelo no congelador. Faltam coisas que a gente, simplesmente, esquece de comprar. Só que, tem dias, como as tardes de fins de semana por exemplo, que faltam muito mais coisas do que essas que a gente simplesmente esquece de comprar. Falta a conversa com a melhor amiga de infância que não está aqui mais, falta o colo da mãe, falta o pai instalando fios pela casa e consertando o DVD, falta a briga com a irmã mais novo, falta o conselho da avó, falta latido de cachorro na varanda, falta o carinho do namorado, falta aquele filme tosco com edredom no sofá da sala.
Quem mora sozinha, às vezes, se sente a pessoa mais triste do mundo. Mas não é tristeza. É só saudade. Como já disse Martha Medeiros, “saudade é (...) não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche” e eu digo mais. É não saber o que fazer com as tardes de domingo que nunca terminam. As tardes de domingo, quando cada um está na sua casa, com sua família, com seu namorado e, você está na sua casa, com sua TV e o seu computador tentando destrair a cabeça. Morar sozinha é nunca ter almoço em casa. Ninguém cozinha pra uma pessoa só. Guardar o resto da comida? Nem pensar. Duraria uma eternidade na geladeira. Quem mora sozinha não pode ter nunca a geladeira cheia (aprendi recentemente). Tudo estraga. Experiente comprar um queijo Minas, por exemplo. E a penca de bananas? De cada doze, você come duas e o resto joga fora. Preta.
Morar sozinha é almoçar em vários lugares e não na sua casa. É ligar, às duas da tarde, para a amiga que está almoçando com os pais, e para uma outra, que está com o namorado. E você, comendo miojo porque é fácil de fazer, não suja muita coisa e não precisa jogar fora. É ter que fazer supermercado e dar aquela “ajeitada” na casa que está de cabeça pra baixo e você não faz a mínima idéia de quem bagunçou aquilo tudo!
É voltar pra casa sozinha, chorando, depois de achar que ninguém reconhece nada. Chorar sentada na beirada da cama, deitar e dormir.
Viver sozinha é aprender a dar valor às coisas simples da vida: o cheiro de quem a gente gosta, a conversa jogada fora, a crise de riso (por um motivo que nenhuma outra pessoa no mundo acharia graça), o abraço de quem não volta mais, a tarde na beira da piscina, os pés embolados debaixo do edredom, o socorro à 1h30 da manhã de terça-feira quando você não tinha forças nem pra se levantar. Morar sozinha é aprender a conviver com sua própria companhia e ter que gostar dela. Mesmo quando ela está triste nas tardes de domingo.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Cazuza
Mas hoje, querido Cazuza, devo dizer que não aceito mais mentiras sinceras, porque cansei das verdades do amanhã. Meus heróis não podem mais morrer de overdose… Preciso de heróis mais fortes que eu. Quero fazer parte da burguesia. Não quero mais ser pão de ninguém. O exagero me desequilibra, e no final do dia eu só consigo sentir cansaço.
A gente cresce e aprende que só somos livres para nos descuidar quando somos sozinhos no mundo. As obrigações e equilíbrio nos condiciona.
Ainda quero um amor tranqüilo com sabor de fruta mordida, e noites que nunca têm fim. Ainda finjo que perdoei, e ainda tento ser amiga sem rancor. Mas o que eu quero mesmo, e tenho, é todo amor que há nessa vida.
Beijos,
Obrigada por me entender, mas ando buscando alguém para me explicar
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Sou filha única de pai e mãe iguais e meio que a única mulher que sobrou por aqui. Fui educada por meu pai sempre com muito cuidado e com carinho, mas com uma certa rigorosidade saudável. Hoje vejo que foi saudável pois sei a diferença que fez a educação que meu pai me deu, mas já sofri muito com palavras duras, coisas de pai.
Tenho dois primos muito diferentes um do outro. O mais velho já foi meu melhor amigo. O tempo passou, mudei, ele mudou.
O fato é que "lá em casa" todos somos muito independentes, fomos educados assim. Cada um por sí, mas sem jamais se esquecer de principios básicos; a família é a base de tudo e quando a 'coisa aperta', são as únicas pessoas que vão nos amar independente de tudo e todos, estejamos certos ou errados. Eu os amo muito e nunca tive uma oportunidade ideal para demonstrar o tamanho desse amor a eles. O dia-a-dia nos consome e acabamos deixando passar oportunidades bobas, gestos de amor incondicional para aqueles que, verdadeiramente, nos são importantes. Acho que todos nós somos assim, muito ou pouco, escondemos amor de quem mais precisa. Essa educação formadora de filhos independentes que meu pai me deu é uma das grandes responsáveis por fazer com que eu seja o que eu sou, quem sou e como sou. Essa criação com meus primos também ajudou muito. Sei o que é Atari, Mega Drive, Super Nintendo, Futebol de botão, Alien's Playhouse, Ice Mc, Lego, Bon Jovi... tudo por influência deles. E aprendi a não ser fresca, não ser egoísta, não ser mais uma filhinha mimada insuportável.
Sim, eu sou mimada. Mas sou mimada no seguinte aspecto: gosto de carinho e faço charminho pra ganhar atenção. Não sou dessas mimadas que fazem questão de camisetinha Lacoste, caviar e champagne. Será que dá pra entender metafóricamente assim? Espero que sim.
A minha 'mimadez' me faz querer as coisas e lutar por elas. Se um namorado não age da maneira como eu gosto, eu falo, eu peço, eu mostro o caminho pra que seja daquele jeito ou - no minimo - semelhante. Respeito as limitações de cada um, óbvio, desde que não me prejudiquem. Sou uma mimada que exige carinho sem machucar, apenas me sinto no direito, pois quando amo dou o meu melhor.
Minha independência e desprendimento com uma dose de coragem são os combustiveis vitais que me mantém "longe" de casa. Desprendimento porque não é fácil ver meu pai e sua familia viajando e tirando fotografias que ficarão guardadas pra sempre, e você não estar lá pra ficar pra sempre sorrindo nas fotografias. Isso já me doeu muito. E a coragem é por enfrentar o desconhecido, os riscos.
Portanto...Por eu nunca ter sido fresca, enjoada e verdadeiramente mimada, as pessoas tendem a me sobrecarregar e agir de uma forma que eu, na maioria das vezes, não gosto. Tá. É legal ser desencanadinha, moderninha, independentezinha... mas pô, eu sou mulher! Sim! Eu escolhi sair de casa, escolhi isso pra mim, eu sou muito feliz com tudo que me é dado, mesmo! Portanto quando eu chego em casa, quando estou entre amigos, irmãos, namorado, eu quero ser a mulherzinha, quero sentir minha fragilidade e aceita-la. Quero não ter que carregar coisas pesadas e nem o peso que vêm implícito dentro delas. O peso da solidão que muitas dessas escolhas me traz. É dificil entender. Mas, hoje consigo ver que é uma solidão compensativa. Eu escolho, eu luto pelo que eu acredito, eu sonho. Apenas é de se entender que não ter pra quem dividir isso é ruim demais.
Adoro todas as caracteristicas masculinas - de independencia e força - que tenho. Mas sabe... "ser homem" muitas vezes me cansa. Hoje eu só precisava sentir minha fragilidade feminina. Hoje eu só precisava reconhecer que eu também preciso de atenção e cuidados. Hoje eu só precisava de alguém pra dividir comigo o peso da minha "mala" tão pesada.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Trama numero 1
Eu sempre gostei de moedas. Curtia o barulho, o brilho e como sempre parecia que você tinha muito dinheiro. Todos os familiares e entes queridos sabiam disso e viviam me dando o troco da padaria ou qualquer moedinha que sobrava. Mais que isso, eu tinha uma coleção de moedas velhas. Um belo dia minha mãe sumiu com todas as moedas, é todas aquelas que eu passava dias contando fortuna. Mamãe jurou ter se confundido com as moedas e prometeu refazer minha coleção.
Estou esperando até hoje.Sabe o que é pior? Na época eu acreditei. Eu, do fundo do meu coração, acreditei que minha mãe - que me via contar as moedas não sabia que as moedas muito queridas e era minha coleção linda. Crueldade pura e simples.
Trauma numero 2
Um trauma que eu carrego até hoje é o de quebrar/perder coisas. Eu sempre sofri com uma certa falta de jeito generalizada e minha mãe carinhosamente me chamava de DESTRUIDORA. Não tenho nem palavras para descrever como é gostoso quebrar sua boneca favorita acidentalmente e ouvir "também, DESTRUIDORA do jeito que é". Enfim.
Um dia a gente estava no circo e eu queria um daquele palhaços que ficavam dentro de um cone e quando você puxava uma vareta ele saía com os bracinhos para fora. Ela disse que não porque eu era DESTRUIDORA e ia quebrar o palhacinho antes de chegar em casa. Eu disse que não, que ia amar o palhacinho para o resto da vida e que nunca deixaria nada de ruim acontecer com ele e coisa e tal. Mamãe, toda trabalhada na psicologia infantil, disse que tudo bem mas com uma condição: se eu quebrasse o palhaço nunca mais ganharia presente nenhum. Eu aceitei. E por aí você vê como eu queria esse palhaço, visto que arrisquei todos os presentes do resto da vida por ele. Beleza. O tempo passou e eu realmente não deixei nada de ruim acontecer com meu amado palhacinho. Quando não estava brincando com ele guardava numa caixa de sapatos embaixo da cama e sempre dava uma conferida nele antes de dormir para ver se estava tudo bem.
Eis que um dia eu abri a caixa e o palhacinho TINHA SUMIDO. Fiquei desesperada e quase liguei até no 190 para perguntar se alguém tinha visto meu palhaço. Quando contei o ocorrido eu levei um puta esporro, fui chamada de DESTRUIDORA. Ganhei outros presentes, óbvio. Mas anos depois descobri que foi MINHA PRÓPRIA MÃE que sumiu com o palhaço. Ele já estava todo sujo então ela jogou fora. E não me contou. E me chamou de DESTRUIDORA por um lance que ELA fez.
Ruindade no coração: a gente se vê por aqui.
Até hoje ouço um DESTRUIDORA ecoando quando quebro ou perco alguma coisa.
Nisso tem outros que não cabe mais escrever aqui. E é isso ae, pessoal. Feliz fim de ano pra vocês e acreditem na amnésia dos seus filhos ou eles correm o risco de acabar como eu.
Abraços.
Você vai dizer “te anima” e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer pra eu colocar uma roupa, ouvir uma música animada e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra.
Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.
Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido.
Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas.
“Eu não sei o que meu corpo abriga nestas noites quentes de verão e não me importa que mil raios partam qualquer sentido vago da razão eu ando tão down...” Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. “Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música.
Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais.
Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia.
Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
Alguém entra na sua vida, rouba seu tempo, destrói sua confiança, agride sua auto-estima, estilhaça o pouco que resta da sua confiança no amor. E sai ileso. Mas não seria esse o pior crime que alguém pode cometer com outra pessoa?
Agressão só é penalizada quando alguém encosta a mão em alguém? Como se pune quem causa uma ferida que não está exposta? Acredito que tomar uma surra de um boxeador deve doer menos do que ser esculaxado. A dor física passa em algumas horas ou, em casos mais graves, alguns dias. Pra dor física existe remédio. Pras feridas, existe curativo. Mas quem cura a dor de um coração destruído? Como se cura a dor de uma confiança perdida? O que fazer com as feridas cravadas no coração de uma pessoa que sai na rua descrente do mundo? Como penalizar o agressor que, sem usar mãos, armas ou objetos cortantes e pontiagudos, causou ferimentos graves em alguém? Por que ninguem previu isso na lei?
As pessoas lotam consultórios psiquiátricos, se entorpecem de remédios para a ansiedade, pra depressão, pra pressão, pra dormir, pra acordar. Remédio pra viver. Pra fazer viver quem quer morrer. Pro que não tem remédio. Pra dor que não passa. Pra ferida que ninguem vê. Vãs tentativas de resolver o caos interno. As pessoas tentam remediar uma dor que parece nunca ter fim, que vem de dentro. Bem fundo.
Entendo perfeitamente crimes passionais. Entendo perfeitamente quando minha amiga diz que não consegue mais conversar com o ex-namorado porque tem vontade de bater nele. Entendo meu amigo que diz que preferia ver a namorada morta do que com outro. Sinceramente, entendo. Quando alguém te machuca, te decepciona, te magoa, a dor é tão grande que você quer agredir a pessoa de volta.
Você se sente impotente, enganado, ferido. Frustrado. Dà vontade de sumir. Tudo desaba na sua frente. Você sente que perdeu seu tempo, sua vida, sua auto-estima, suas forças. E qual a pena pro agressor? Qual a pena pra alguém que entrou na sua vida, na sua casa, nos seus sonhos, nos seus planos e, num piscar de olhos, destruiu tudo como se tivesse esse direito?
O que sempre penso e falo com meus amigos é que vingança não é remédio. Nem fazer justiça com as próprias mãos. O tempo se encarrega disso.
Acreditam que as pessoas que usam da confiança e boa vontade das outras nunca vão se dar bem na vida. Ou não vão ser felizes. Ou nunca vão conseguir amar de verdade. Ou não mereciam a gente. Ou que a gente deve agradecer por ter se livrado de um encosto. Ou sei lá o quê! Nunca fui boa conselheira.
Talvez essas sejam as formas da vida punir quem brinca com o coração dos outros.
Não sei mesmo.